Constantes idas à casa de banho, dores e fadiga, mas também stress, ansiedade e discriminação dificultam a gestão da carreira de muitas das 24 mil pessoas que, em Portugal, têm doença de crohn e colite ulcerosa. Há mesmo quem mude de profissão para gerir melhor os sintomas
Nos primeiros meses, Ana Almeida sentiu que os colegas e os responsáveis da empresa onde trabalhava foram “compreensivos” com o impacto da colite ulcerosa, uma doença inflamatória do intestino, com que foi diagnosticada em 2012. “Porém, a dada altura, começaram a questionar tantas idas ao hospital e tantos exames. Uma vez perguntaram-me: ‘Então e procurares um médico e tratares disso como deve ser?’”, recorda. “Senti-me péssima. Parecia que não estava a esforçar-me o suficiente”, assume a copywriter, contando que a doença se manifestou inicialmente através de dores intensas e hemorragias abundantes.
Com o tempo, Ana Almeida foi constatando que mais pessoas tinham dificuldade em compreender as dores, o cansaço, as idas frequentes à casa de banho, por causa da diarreia, a má disposição e a necessidade de ir ao médico com frequência. “Em 2013, emigrei para a Suíça, e comecei a trabalhar no departamento de comunicação de uma escola de massagens. No dia em que fiz uma colonoscopia total, em altura de crise, em que me sentia fraquíssima e mal conseguia andar, obrigaram-me a ir trabalhar”, conta Ana Almeida. “Acharam-me muito pálida, mas claro que não me mandaram para casa. Trabalhei seis horas”, diz a doente, acrescentando que ”nos períodos em que a doença está mais ativa, torna-se muito difícil fazer a vida normal”.
Como adianta o gastrenterologista José Cotter, as doenças inflamatórias do intestino, que afetam cerca de 24 mil pessoas em Portugal, e cujas formas mais comuns são a colite ulcerosa e a doença de Crohn, têm um impacto significativo no quotidiano dos doentes, se não forem clinicamente controladas. “Múltiplas idas à casa de banho, mal-estar, internamentos hospitalares, necessidade de efetuar exames complementares e recorrer a consultas médicas frequentes, além de alguns cuidados alimentares (em fase aguda), limitam o desempenho de uma atividade laboral normal”, afirma o diretor do serviço de gastroenterologia do Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães. “Devido ao mal-estar e às limitações da doença em fase aguda ou não-diagnosticada, os doentes ficam desanimados por não se sentirem bem, verem a sua recuperação demorada e necessitarem de apoio frequente dos cuidados de saúde”, acrescenta o médico, dizendo ainda que “às vezes, é preciso recorrer a tratamentos com efeitos colaterais”, o que acarreta ainda mais dificuldades.
Stress, ansiedade e depressão
Quando a doença não está controlada, uma simples reunião de trabalho ou um evento profissional são suficientes para causar stress e preocupação. Ana Almeida, hoje com 38 anos, sabe bem o que isso é. “Sobretudo os encontros presenciais são momentos que antecipo com bastante ansiedade. Quando estou num local onde não sei onde ficam os sanitários, fico em pânico”, assume a copywriter. “Só o stress de sair de casa, pensar na logística que implica deslocar-me, procurar lugar para estacionar, perceber onde fica a casa de banho mais próxima são preocupações suficientes para arruinar o meu dia.”
Jorge Ascensão, psicólogo clínico, explica que o stress pode ser “um efeito bidirecional” da doença inflamatória intestinal, podendo, por um lado, agravar-se em momentos de crise da doença, e por outro, “acentuar os sintomas” da mesma por motivos familiares, profissionais ou outros. Para o especialista, o aparecimento de patologias psicológicas, como ansiedade ou depressão, “não está necessariamente relacionado com a gravidade da doença, mas com a perceção negativa que a pessoa tem de si e do mundo, a partir do momento do diagnóstico”.
De acordo com Jorge Ascensão, 60% das pessoas com colite ulcerosa e doença de Crohn desenvolvem perturbações de ansiedade moderada a grave. “Se considerarmos ansiedade ligeira, completamos quase a totalidade das pessoas com esta doença”, acrescenta o psicólogo, que trabalha com a Associação Portuguesa de Doença Inflamatória do Intestino (APDI). Mais: cerca de um terço (30 a 40%) dos doentes apresenta “sintomas depressivos e perturbações de humor”, acrescenta.
Em muitos casos, estes doentes têm acompanhamento psicológico. “Trata-se de proporcionar a quem tem a doença e aos seus familiares um espaço onde podem trabalhar a aprendizagem da doença, dos tratamentos, [falar sobre] as dúvidas, medos e outras questões emocionais”, explica Jorge Ascensão.
Em algumas situações, os sintomas e o impacto psicológico levam os doentes a deixar de trabalhar ou a alterar a sua vida profissional. Ana Almeida decidiu deixar o emprego, para se tornar empresária. “Ter de pedir favores e compreensão, justificar faltas e compensar horas, esgotava-me quase tanto como a doença. Por isso, criar o meu horário, trabalhar ao meu ritmo e aguentar as guinadas naturais de quem trabalha por conta própria foi a solução que encontrei para ser mais feliz.”