Com a terapêutica adequada, uma alimentação e um estilo de vida saudáveis, as pessoas com Doença de Crohn e Colite Ulcerosa podem ter qualidade de vida
Um médico disse-lhe que era apendicite, outro apontou prisão de ventre. Também houve especialistas que pensaram tratar-se de gastroenterite e problemas hormonais. Durante mais de duas décadas, Bruna Lemos não conseguiu dar nome à doença que lhe causava “vómitos constantes” e “dores abdominais alucinantes”. Depois de uma “adolescência difícil”, em que raramente se dava a conhecer aos outros, tornou-se “uma adulta ansiosa, com uma baixa autoestima”.
Tudo mudou, porém, com a chegada do diagnóstico definitivo, aos 27 anos. Bruna Lemos sofria de Doença de Crohn, uma patologia crónica que pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal. “O reconhecimento e a aceitação desta condição de saúde veio dar um boost à minha vida. Entre acertar medicações, restrições alimentares e adaptações físicas, foi um verdadeiro repto à minha sanidade mental”, conta a professora de português, hoje com 34 anos. “Entre corticosteroides e imunossupressores, ao fim de um ano, com a minha equipa de gastrenterologia, fiquei minimamente estável”.
Em Portugal, a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa, as duas formas mais comuns da doença inflamatória intestinal, afetam cerca de 25 mil pessoas. Em muitos casos, os pacientes veem o seu quotidiano profundamente alterado, dado o impacto dos sintomas. “Há um efeito psicossocial marcado”, explica a gastrenterologista Diana Carvalho. “Tratando-se de uma doença crónica associada a sintomas debilitantes e frequentemente constrangedores, é comum os doentes se preocuparem com aspetos práticos da sua vida, como a facilidade de acesso a uma casa-de-banho e o risco de incontinência fecal”, diz a médica. Muitos também ficam ansiosos. “Será que vou ser operado? Será que vou ficar com um saco [para eliminação das fezes] (colostomia)? Será que algum dia poderei ter um tumor? São questões frequentes e repetidamente colocadas.”
Medicação, acompanhamento e estilo de vida: uma combinação necessária
Apesar do impacto da doença inflamatória intestinal, a gastrenterologista garante que “os resultados dos estudos demonstram que a qualidade de vida dos doentes aumenta significativamente, ao longo do tempo, com assistência por parte de uma equipa multidisciplinar diferenciada e especializada, uma abordagem terapêutica otimizada e uma adesão do doente ao tratamento”.
A juntar à terapêutica, adaptada às características do doente e da doença, e ao acompanhamento regular por uma equipa de gastrenterologistas, Diana Carvalho explica que “o estilo de vida pode evitar a recorrência dos sintomas e alterar a história natural da doença”. “O tabagismo é um dos piores fatores de prognóstico na Doença de Crohn: os doentes que fumam têm mais crises, maior risco de cirurgia e maior risco de recorrência da doença após a cirurgia”, considera a especialista, alertando também para o impacto do stress. “Ao alterar o microbioma intestinal e a resposta imunológica do organismo, pode agravar o curso da doença. Algumas medidas como psicoterapia, mindfulness, meditação e yoga, demonstraram ter efeitos benéficos no seu controlo e, consequentemente, na qualidade de vida.”
Mariana Santulhão conhece bem os sintomas da Doença de Crohn, com que foi diagnosticada há 11 anos. Além de dores abdominais e de controlar com dificuldade a vontade, por vezes súbita, de ir à casa de banho, tem dores articulares, eczema e vários problemas oftalmológicos. É acompanhada regularmente por um gastroenterologista, toma medicação diariamente e todas as semanas faz terapia biológica subcutânea.
“Procuro também ter um estilo de vida saudável”, adianta a fisioterapeuta, de 25 anos. “Tenho uma boa higiene do sono, não fumo nem bebo álcool. Não sou sedentária, faço atividades que me deem prazer e bem-estar, como estar com a família e os amigos, passear, ler, passar tempo ao ar livre no meio da natureza, brincar com a minha cadela”, acrescenta a jovem, frisando que procura sempre “minimizar e gerir os níveis de stress”.
Sempre que pode, faz caminhadas e, uma a duas vezes por semana, anda de bicicleta. “Reconheço o grande bem-estar, sobretudo psicológico, que a prática da atividade física me proporciona”, assume a fisioterapeuta, de 25 anos, que criou a conta no Instagram dii_para_totos, onde partilha informação sobre a doença.
Os benefícios do desporto e da alimentação saudável
A médica Diana Carvalho sublinha também que o exercício físico pode ter um contributo importante no tratamento da doença inflamatória intestinal e no aumento da qualidade de vida dos doentes. “Tem um papel na resposta imunológica, no controlo de sintomas como dores articulares e fadiga, e no aumento da massa óssea que, por vezes, se encontra diminuída na sequência de doença mal controlada e do uso prolongado de corticoides”, diz a especialista, frisando também o impacto positivo da atividade física “na capacidade de resposta ao stress”.
A médica alerta, no entanto, para a necessidade de ajustar o exercício à idade, às limitações e à atividade da doença de cada pessoa. “Se estivermos perante um caso de doença grave, o exercício físico pode acentuar sintomas como o desconforto e a dor abdominal ou incontinência anal. Já no caso de doença ligeira ou em remissão, tanto a atividade aeróbica (caminhadas, ciclismo, natação) como o treino de resistência muscular, são bem tolerados e aconselháveis”, explica Diana Carvalho.
Igualmente importante é a adoção de uma alimentação saudável. “As únicas recomendações dietéticas com benefício óbvio são: comer alimentos bem cozinhados, com baixa probabilidade de contaminação bacteriana; ingerir frutas e vegetais crus muito bem lavados e, no caso de doença de Crohn agudizada ou complicada de estenose (redução do diâmetro de intestino), é importante retirar as fibras insolúveis da dieta, como por exemplo, o bacalhau e a manga”, explica a médica, acrescentando que, em algumas situações, se verificou também que a eliminação do álcool, de alguns vegetais, fritos, carnes processadas, refrigerantes, picantes levou a melhorias. Uma relação de causalidade que “não foi universalmente definida e que não deve ser aplicada a todos”, frisa Diana Carvalho. E alerta: “É importante ter em atenção que a eliminação de determinados alimentos pode conduzir a défices nutricionais, pelo que essa decisão deve ser discutida previamente com os profissionais de saúde.”