Perda de peso, dores nas articulações e descontrolo intestinal são alguns dos sintomas das doenças inflamatórias do intestino. Mas com o tratamento certo é possível minimizar o seu impacto.
Angela Silva andou vários meses com dores abdominais, diarreia e uma sensação persistente de cansaço. “Sintomas que fui justificando com excessos alimentares”, recorda a jovem, na altura com 25 anos. Pouco depois, começou a emagrecer, a ter dores articulares e a perder sangue, o que a levou a procurar um médico. O diagnóstico acabaria por chegar, na sequência de uma colonoscopia. Ângela Silva tinha doença de Crohn, uma doença inflamatória do intestino que pode afetar qualquer parte do tubo digestivo, desde a boca ao ânus, e que, na maioria dos casos, acaba por alterar completamente o quotidiano dos doentes.
“Num minuto podemos estar bem e no seguinte ter dores insuportáveis”, constata Ângela Silva, que na época trabalhava na área do atendimento ao público. “Já adiei compromissos profissionais e pessoais porque, de um momento para o outro, deixei de conseguir andar. Isto sem falar nas vezes em que sujei a roupa, porque não cheguei atempadamente ao wc e tive de ir a casa, lavar-me e trocar de roupa”, diz, contando que a primeira coisa que faz quando chega a um novo sítio é procurar a casa de banho. “O meu dia é pensado ao pormenor de forma a minimizar o impacto da doença”, revela Ângela Silva, que, por causa da gravidade dos sintomas, se reformou por invalidez aos 28 anos.
As Doenças Inflamatórias do Intestino, nas quais se enquadra a Doença de Crohn de que Ângela Silva padece, afetam atualmente cerca de 25 mil pessoas em Portugal. “A incidência tem vindo a aumentar”, alerta a médica Marília Cravo, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia. “São doenças autoimunes do tubo digestivo em que o sistema imunológico dos indivíduos reconhece a microbiota intestinal como causadora de doença, como se de uma gastroenterite se tratasse”, afirma a especialista, explicando que estas patologias se manifestam de duas principais formas: a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa. Enquanto a primeira pode afetar qualquer zona do trato gastrointestinal, a segunda limita-se ao intestino grosso e ao reto.
A importância do acompanhamento médico
Pelo impacto que estas patologias têm na saúde e no bem-estar, é fundamental que, logo após o diagnóstico, os doentes sejam acompanhados com regularidade por um especialista. “No meu caso, o facto de ter uma médica sempre disponível diminui muito o impacto psicológico [da doença]. Sei que a qualquer hora ou dia tenho sempre a quem recorrer”, conta Ângela Silva, que é hoje, aos 40 anos, vice-presidente da Associação Crohn/Colite Portugal.
A gastrenterologista Marília Cravo sublinha que “o seguimento dos doentes é fundamental para avaliar a eficácia do tratamento e, na ausência de resposta, podermos alterar a terapêutica”. “Têm sido feitos muitos avanços de forma a garantir, cada vez mais, um melhor controlo da doença e uma redução significativa das suas complicações”, sublinha a médica.
Ao contrário de Ângela, nem todas as pessoas com doença inflamatória intestinal apresentam maioritariamente sintomas digestivos. Vera Gomes, de 41 anos, começou por ter reações alérgicas na pele, infeções urinárias e oculares. Só depois começou a “defecar muito, a ter vontade de ir à casa de banho e não fazer nada”. “A certa altura, tive uma acentuada perda de peso. Ia 30 a 40 vezes por dia à casa de banho”, conta, dizendo que seis meses depois dos primeiros sintomas lhe foi diagnosticada uma colite ulcerosa.
Nas fases em que a doença está mais ativa, Vera não consegue descansar durante a noite. “Cheguei a considerar dormir sentada na sanita, com a cabeça encostada à parede e uma manta nas pernas”, assume uma das fundadoras da associação Crohn/Colite Portugal. “Durante o dia, continuo a ir mais de 30 vezes por dia ao wc. Tenho períodos em que tenho de usar cueca-fralda para sair de casa e fazer coisas básicas, como comprar pão ou ir trabalhar”, conta. Ao longo dos anos, o tratamento tem sido adaptado à doença, adianta a responsável. “Numa decisão conjunta com o meu médico, tentámos retirar a medicação, mas como não consegui manter a doença em remissão, tivemos de voltar à medicação inicial que me mantém em remissão”, relata Vera Gomes, que trabalha como coordenadora na Comissão Europeia, na área de Equality & Policy.
Nem sempre conseguiu conversar abertamente sobre a doença, admite. “As pessoas falam mais abertamente sobre sexo do que sobre aquilo que se passa no wc. Ninguém quer ouvir falar sobre cocó, sobre sujar as cuecas, sobre dores 24 horas por dia. Isso faz com que muitas pessoas se fechem”, afirma. “Estive quase 8 anos sem falar sobre o assunto, a não ser com pessoas próximas. Até ao dia em que percebi que não tenho que ter vergonha, nem sou menos pessoa por ter este tipo de doença.”
Sintomas que afetam também a família
As doenças inflamatórias do intestino acabam, também, por ter impacto na vida familiar, sobretudo quando os doentes são crianças. É o caso de Cátia Chatinho que teve de aprender a lidar com a Colite Ulcerosa da filha, Maria Luísa, diagnosticada com quatro anos. “Tentamos que [a doença] não afete muito o nosso dia-a-dia, mas está sempre presente”, assume a mãe. “Como ela era tão pequena, optámos por reunir com a equipa do jardim de infância para estabelecer uma ementa adequada”, recorda Cátia Chatinho, contando que hoje a filha, já com seis anos, sabe o que deve ou não comer e que medicamentos tomar.
A patologia acaba por estar presente até nos momentos de lazer da família. “Quando passeamos ou vamos à praia, temos o maior cuidado com o planeamento, nem que seja para saber onde há uma casa de banho ou se temos medicação suficiente”, conta Cátia, revelando que a doença da filha a ensinou a lidar com a ansiedade. “Aprendemos a viver um dia de cada vez.”
Retirado do estudo de Custo e Carga da DII em Portugal